terça-feira

Uma Doença Epidêmica na Carolina do Sul

INTRODUÇÃO
Durante anos, os médicos da região rural do Sudeste dos Estados Unidos da América (EUA) notificaram a ocorrência de uma doença até então desconhecida. Dado que a notificação deste agravo era obrigatória somente em um Estado, onde os serviços médicos eram limitados, as informações relativas a sua incidência eram irregulares.
ANTECEDENTES
A doença em questão, embora de fácil diagnóstico em clínicas locais, ficou na época como de etiologia a esclarecer. Sua patogênese, modo de transmissão, imunidade, fatores ambientais e repercussão social constituíram matéria de controvérsia, tendo sido elaboradas várias teorias quanto à natureza da doença.
Com o objetivo de determinar a amplitude e relevância da doença foi encaminhado um questionário a todos os médicos de oito Estados do Sudeste dos EUA. O impresso solicitava que os profissionais informassem o número de casos examinados nos últimos 5 anos. Apenas 25% deles responderam a solicitação, mas como resultado dessas informações o número de casos conhecidos elevou–se de 622 para 7.017, no período considerado.
No ano seguinte, um epidemiologista do Serviço de Saúde Pública dos EUA foi designado para investigar a epidemia. Após algumas observações preliminares, iniciou uma investigação de campo para determinar a extensão e a natureza da doença.
INVESTIGAÇÃO
A pesquisa foi realizada em 5 municípios da Região Noroeste do Estado da Carolina do Sul, onde a doença se mostrava mais freqüente. A área da pesquisa incluiu 24 vilarejos, com população de 500 a 1.500 habitantes, que apresentavam grandes diferenças quanto ao saneamento; uns dispunham de suprimento de água de abastecimento, outros de sistema de esgoto, alguns de ambos os serviços e em outros tantos de nenhum deles. O inquérito se restringiu a um grupo étnico e incluía primariamente assalariados e suas famílias.
Em cada vilarejo foram realizadas duas visitas por semana, para cada família incluída na investigação, durante um ano, com o objetivo de detectar casos. Foram registrados os nomes, idade, sexo e estado civil de cada membro da família. A ocorrência da doença era determinada pelo exame clínico e história. Cabia aos responsáveis pelo estudo, profissionais experientes no diagnóstico da doença, o exame dos casos duvidosos.
Dois anos mais tarde a segunda comissão concluiu:
1- A suposição de que a ingestão de milho, em boas condições ou estragado, seria a causa da doença não foi detectada por este estudo.
2- Provavelmente é uma doença infecciosa, por enquanto desconhecida, cuja disseminação se dá por transmissão pessoa a pessoa.
Um ano depois, a segunda comissão apresentou os seguintes dados no Encontro Anual da Associação Médica Americana:
•No grupo cujos casos foram mais bem estudados, houve evidência de estreita associação com um caso identificado pré-existente em mais de 80% das vezes.
•As visitas casa a casa, nas residências de mais de 5.000 pessoas que moravam em 6 focos endêmicos da doença, falharam em descobrir alguma relação entre a doença e algum elemento da dieta.
•Nestas 6 vilas os novos casos originaram-se quase exclusivamente de uma casa onde estava morando um caso pré-existente, ou nas residências vizinhas, sugerindo que a doença se disseminou a partir de casos antigos.
•Até onde observamos, a doença se espalhou mais rapidamente em distritos onde as condições da rede de esgoto eram inadequadas.
Muitas pessoas diziam que um agente infeccioso era o responsável pela doença.
Epidemiologistas realizaram estudos a respeito da sua possível transmissibilidade. A seguir apresentamos os resultados encontrados:
O pesquisador tirou sangue do braço de uma mulher enfraquecida e doente em seu primeiro ataque da doença, injetando pequena quantidade deste sangue, ainda quente, na pele do ombro esquerdo do seu assistente. O assistente, por sua vez, injetou na pele do pesquisador quantidade semelhante da mesma amostra de sangue. Durante 2 dias os braços destes “aventureiros” ficaram entumecidos. Isto foi tudo.
Mas o pesquisador era ávido por provas... A comissão governamental tinha dito que a doença se disseminava de forma semelhante à febre tifóide, através dos intestinos dos indivíduos afetados. No dia 26 de abril, sozinho no seu laboratório improvisado - instalado no lavatório de seu ônibus, retirou de seu bolso um pequeno frasco, colocando em seu interior uma mistura de farinha de trigo com uma amostra de fezes de uma mulher acometida da doença em estudo, engolindo, em seguida, pequena quantidade desta mistura. A seguir comentou “a descamação do exantema cutâneo pode ser também contagioso”. Assim, ele misturou farinha de trigo com descamação cutânea de dois outros pacientes, ingerindo certa quantidade desse pó.
Usando fezes, urina, vômitos e descamação de pele de pacientes, o pesquisador completou experimentos adicionais nele próprio e em voluntários, incluindo sua esposa e assistente. Nenhum deles adoeceu.
Estudos em instituições de saúde mental e orfanatos onde a doença se apresentava em número elevado, o pesquisador observou que nenhuma enfermeira ou outros trabalhadores, mesmo os serventes que residiam no local de trabalho, vieram a adoecer.
O pesquisador convenceu-se de que não se tratava de doença infecciosa.
Para investigar a possibilidade da doença estar relacionada à dieta, os investigadores fizeram uma pesquisa em todos os residentes em sete vilas, comparando o consumo médio diário de vários itens alimentares, desenvolvendo a seguir um estudo dos afetados e não afetados.
CONCLUSÃO
A doença em investigação era a pelagra, moléstia desconhecida nos Estados Unidos da América até 1907, embora mortes esporádicas tenham sido relatadas em 1889 e 1902. A primeira epidemia da pelagra ocorreu em Monte Vernon (Alabama) “Asylum for Negroes” em 1906, com 85 casos e 53 mortes. Embora a pelagra fosse considerada mais prevalente na Georgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Alabama, Mississipi e Louisiana, estes Estados não participaram do registro nacional de mortalidade. No entanto, o número de mortes relatadas nos Estados envolvidos elevouse de zero, em 1904, para 1015 em 1913.
O Dr. Joseph Goldberger foi solicitado pelo “Surgeon General” para investigar o problema da pelagra em março de 1914. Até aquele momento, as duas teorias explicativas disponíveis eram: 1) a Italiana, que defendia a hipótese de que a doença era causada por milho deteriorado; 2) e a Americana, que defendia a hipótese de que se tratava de uma doença infecciosa. Três observações feitas pelo Dr. Goldberger induziam a suspeita de que se tratava de uma doença nutricional.
1. Embora a doença fosse endêmica em asilos, profissionais e auxiliares que lá trabalhavam nunca adquiriram a doença.
2. A doença surgia basicamente em população pobre.
3. A doença era mais freqüente em áreas rurais.
Em junho de 1914, Goldberger publicou o seu primeiro relatório com dados obtidos do asilo de Milledgeville, na Georgia, informando que os serventes e profissionais do asilo não tiveram a pelagra. Observou, ainda, uma diferença significante na dieta e hábitos dos pacientes, se comparados com os sadios, especialmente no que se refere ao consumo de carne e leite.
Em 1915, Goldberger instituiu um programa de suplementação alimentar em dois orfanatos de Mississipi que haviam apresentado uma prevalência da pelagra de 47%. Como resultado, não ocorreu nenhum caso nos anos seguintes entre os 103 internados. Também em 1915, Goldberger visitou a Penitenciária Rankin no Estado do Mississipi, onde nenhum caso de pelagra havia sido relatado. Conseguiu induzir a pelagra, após 5 meses e meio, em 6 dos 11 funcionários, com o uso de uma dieta sem carne, leite ou vegetais frescos.
Em 1916 Goldberger iniciou pesquisas sobre a transmissão da pelagra. Usando o seu próprio corpo, o da sua esposa e de mais 12 voluntários, injetou sangue de pacientes com pelagra em pessoas sadias: ele também ingeriu uma mistura de fezes, urina, vômitos e descamação cutânea de pacientes com pelagra. Nem ele nem os outros indivíduos adquiriram a pelagra. No final de 1916, começou seu estudo em vilarejos da Carolina do Sul - inicialmente em 7 e posteriormente em 24 vilarejos.
De 1918 a 1926, Goldberger conduziu estudos para descobrir o fator de prevenção da pelagra. Inicialmente focalizou um aminoácido, o triptofano que demonstrou ter algum efeito na prevenção da pelagra. Descobriu que levedura seca tem alta atividade de prevenção da pelagra. O fator de prevenção da pelagra parece ser solúvel em água, resistente ao calor, possivelmente uma nova vitamina B. Hipóteses econômicas a respeito do surgimento da pelagra nos Estados Unidos.
No início dos anos 1900, muitas famílias da zona rural da Região Sul do EUA migraram para pequenas vilas e tornaram-se dependentes de salários para viver. Durante o período de 1900-1913, os salários aumentaram em torno de 25%. Durante a depressão econômica de 1906 a 1911, os salários decresceram. No mesmo período, o preço dos alimentos aumentou dramaticamente (a média no aumento dos preços dos alimentos foi de 50% durante o período de 1900 a 1913). Este aumento nos preços, associado ao decréscimo no salário, levou a dificuldades na compra de alimentos.
A pelagra foi um problema de saúde pública relevante até 1940 quando 2.138 mortes foram relatadas.

sexta-feira

Caso clínico de pelagra

Pelagra desencadeada por anti-depressivo

Paciente feminina de 43 anos, Fitzpatrick IV, portadora de transtorno depressivo. Há três anos em uso contínuo de inibidor seletivo da captação da serotonina (fluoxetina 20 mg/dia) evoluindo com dermatose predominante nas áreas fotoexpostas caracterizada por eritema difuso associado a prurido. Ao exame dermatológico, xerose cutânea acentuada, eritrodermia difusa, áreas extensas de liquenificação e hiperpigmentação nas áreas de fotoexposição. Seu exame anátomopatológico foi compatível com pelgra.
Atualmente, em uso de complexo vitamínico B com remissão das lesões e melhora dos sintomas.

Doença de Crohn

A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal, que atinge geralmente o íleo e o cólon. Pode muitas vezes levar a uma má absorção de nutrientes, entre o quais temos a vitamina B3 que leva à manifestação de pelagra. O artigo a seguir relata um caso dessa rara complicação.

Pellagra as the presenting manifestation of Crohn's disease.

Pollack S, Enat R, Haim S, Zinder O, Barzilai D.
An 18-yr-old woman hospitalized with classical signs of pellagra was found to have Crohn's disease of the small and large bowel as well as malabsorption of nicotinic acid and iron. The symptoms of pellagra disappeared after intramuscular treatment with nicotinic acid, while the malabsorption was corrected following steroid therapy for the Crohn's disease. Pellagra should thus be added to the list of complications of Crohn's disease that are secondary to malabsorption. Although this complication seems to be very rare, it may be worthwhile to check for nicotinic acid malabsorption in untreated cases of Crohn's disease in order to determine its real prevalence.

Pelagra na Guerra Civil Espanhola

Durante a Guerra Civil Espanhola muitos casos de deficiências nutricionais relacionadas as vitaminas do complexo B apareceram. Entre essas deficiências temos a da vitamina B13, causadora de pelagra.
O artigo a seguir retrata um pouco este episódio.

Vitamin deficiencies during the Spanish Civil War in Madrid: a reminiscence.

Grande Covian F.
During the second winter of the war (1937-38) most of the patients showed a picture of classic pellagra, with a number of neurological disorders which in same cases appeared with no other manifestations of Pellagra. The clinical picture was dominated by the appearance of famine edema, with less manifestations of specific vitamin deficiencies, with neurological manifestations called similar to those "burning feet" syndrome and described by us as Paresthetic and Paresthetic-causalgic syndrome. The prominent features were: acroparesthesia, dysestesia dolorosa, sensation of cold, sensation of wetness, hyperpathia and causalgic pain. Treatment with nicotinic acid was very effective for the classical manifestations of Pellagra (dermatitis, diarrhea and dementia), but had no significant effect on the neurological manifestations. No effect of vitamin B1 was observed, but some improvement following the administration of autoclaved brewers yeast. It was concluded that the neurological manifestations often associated with the classical picture of Pellagra are not due to nicotinic acid deficiency, but to the deficiency of some component of the vitamin B complex which was neither vitamin B1, nor vitamin B2.

terça-feira

Café - fonte de B3



A maioria das pessoas que toma café diariamente ignora quais são as substâncias que estão presentes no café e pensa que o café contém apenas ou principalmente cafeína. Grande engano.
O café possui apenas 1 a 2,5 % de cafeína e diversas outras substâncias em maior quantidade. E estas outras substâncias podem até ser mais importantes do que a cafeína para o organismo humano.
O grão de café (café verde) possui além de uma grande variedade de minerais como potássio (K), magnésio (Mg), cálcio (Ca), sódio (Na), ferro (Fe), manganês (Mn), rubídio (Rb), zinco (Zn), Cobre (Cu), estrôncio (Sr), cromo (Cr), vanádio (V), bário (Ba), níquel (Ni), cobalto (Co), chumbo (Pb), molibdênio (Mo), titânio (Ti) e cádmio (Cd); aminoácidos como alanina, arginina, asparagina, cisteína, ácido glutâmico, glicina, histidina, isoleucina, lisina, metionina, fenilalanina, prolina, serina, treonina, tirosina, valina; lipídeos como triglicerídeos e ácidos graxos livres, açúcares como sucrose, glicose, frutose, arabinose, galactose, maltose e polissacarídeos.
Adicionalmente o café também possui uma vitamina do complexo B, a niacina (vitamina B3 , PP ou "Pelagra Preventing" em inglês) e, em maior quantidade que todos os demais componentes, os ácidos clorogênicos, na proporção de 7 a 10%, isto é, 3 a 5 vezes mais que a cafeína.
Recomenda-se o de 3 a 4 xícara (400-500 mg/dia) já que o consumo exagerado pode levar ao aumento da pressão arterial, alteração dos níveis de ácidos graxos e insônia.
Portanto, beba com moderação!

Câncer e deficiências nutricionais

Deficiências nutricionais são comuns em pacientes com diagnóstico de câncer, devido a quimioterapia e remédios usados no tratamento. Entre essas deficiências, temos a de vitamina B3 que leva a manifestação de pelagra.
O artigo a seguir relata um pouquinho essa questão.

Nutritional deficiencies in patients receiving cancer chemotherapy.

Department of Oral Oncology, University of Texas Health Science Center, Houston.Cancer often causes malnutrition and specific vitamin and protein deficiencies. Chemotherapy also causes deficiencies by promoting anorexia, stomatitis, and alimentary tract disturbances. Antimetabolite drugs in particular inhibit synthesis of essential vitamins, purines, and pyrimidines. Because vitamin levels in the blood are often nondiagnostic, nutritional deficiency is identified almost exclusively on the basis of clinical signs and symptoms and the patient's response to therapy. Signs and symptoms of cachexia and hypoalbuminemia are common in patients with advanced cancer. Deficiencies of vitamins B1, B2, and K and of niacin, folic acid, and thymine also may result from chemotherapy. Nutritional deficiencies are chemically correctable; however, the tumor must be eradicated to relieve cachexia.

Pelagra e anorexia nervosa

A anorexia nervosa é um transtorno alimentar caracterizado por uma rígida e insuficiente dieta (caracterizando em baixo peso corporal) e estresse físico. Ocasiona anemia, insônia, depressão, desidratação, entre outras consequências; além de levar ao desenvolvimento de várias doenças como a pelagra (deficiência de vitamina B3).



Segue abaixo um artigo a respeito dessa relação entre pelagra e anorexia.

Pellagra may be a rare secondary complication of anorexia nervosa: a systematic review of the literature. Prousky JE.



Pellagra is a nutritional wasting disease attributable to a combined deficiency of tryptophan and niacin (nicotinic acid). It is characterized clinically by four classic symptoms often referred to as the four Ds: diarrhea, dermatitis, dementia, and death. Prior to the development of these symptoms, other nonspecific symptoms insidiously manifest and mostly affect the dermatological, neuropsychiatric, and gastrointestinal systems. A review of the literature reveals several case reports describing pellagra in patients with anorexia nervosa. The most common features of pellagra in patients with anorexia nervosa are cutaneous manifestations such as erythema on sun-exposed areas, glossitis, and stomatitis. Health care providers might consider a trial of 150-500 mg niacin if anorexic patients exhibit these cutaneous findings. Pellagra can be diagnosed if cutaneous symptoms resolve within 24-48 hours after oral niacin administration. To further corroborate a diagnosis of pellagra in anorexic patients, specific 24-hour urine tests for niacin metabolites and 5-hydroxy-indole-acetic acid could be run prior to treatment with niacin being instituted. Other factors, such as mycotoxins, excessive dietary leucine intake (although not in anorexia), estrogens and progestogens, carcinoid syndrome, and various medications, might also lead to the development of pellagra. Although pellagra appears to be a rare, yet possible secondary complication of anorexia nervosa, it should be considered in the work-up of patients who exhibit cutaneous manifestations subsequent to sunlight exposure.